Tousen x Komamura — Consumidos pela vingança

A história de dois amigos que se tornaram inimigos, mas acabaram compartilhando destinos semelhantes por causa de um mesmo sentimento.

Alfamax
9 min readAug 5, 2022

Vingança é um dos temas mais comuns da ficção, estando presente em obras clássicas como Ilíada, Moby Dick, O Conde de Monte Cristo e Hamlet, bem como em inúmeros filmes, videogames e outras mídias as quais se possa contar uma história. É um dos desejos, sentimentos e impulsos mais comuns do ser humano e, por Bleach ser uma obra cujo tema paira sobre a ideia de morte em suas mais variadas facetas, obviamente o assunto vingança não fica de fora.

No mangá, em vários momentos há personagens agindo por vingança: Ichigo luta contra Grand Fisher para se vingar da morte de sua mãe; Os Vaizards entram em guerra para se vingar da traição de Aizen; Ginjou quer se vingar da Soul Society por tê-lo tratado como um fantoche deles; Ishida queria se vingar dos shinigamis em razão do assassinato de seu avô; entre outros.

Para quem acompanhou de completo a história de Bleach, sabe que todas (ou quase todas) tentativas de vingança não resultam em uma conclusão satisfatória para quem está a buscando e isso é destacado através de dois personagens: Kaname Tousen e Sanji Komamura, dois capitães da Gotei 13 os quais são melhores amigos, mas se tornam inimigos no decorrer da história e, por compartilharem, ainda que em circunstâncias diferentes, o sentimento de vingança, resultam em ambos trilham caminhos similares.

Durante o arco da Soul Society, Kaname Tousen é apresentado como um dos capitães mais pacíficos do Gotei 13, sua filosofia de vida é alcançar a paz e a justiça pelo “caminho menos sangrento”, a qual adquiriu quando conviveu com uma mulher que ele descreve como “especial”.

Acontece que essa mulher foi assassinada pelo próprio esposo, pois ela o deu um sermão após o marido ter matado um colega em razão de uma discussão fútil. Embora Kaname tenha pleiteado a Central 46 para que aplicasse uma punição ao assassino, a instituição nada fez, o que culminou em seu próprio juramento em buscar a justiça pelas próprias mãos, mas sem derramamento desnecessário de sangue. Resolução esta que o fez decidir virar shinigami.

O mangá não mostra, porém fica implícito que esse evento com a Central 46 fez Kaname desacreditar na instituição da Soul Society e se alinhar com o Sousuke Aizen, ainda que o plano de Aizen consista em praticar um massacre para que se possa subir no palácio real e tomar o trono o Rei das Almas.

Quando Kaname era estudante da Academia Shinigami, ele conhece Sanji Komamura e os dois rapidamente tornam-se amigos, pois Kaname, por ser cego, não se importa com a aparência física do lobo de Sanji.

No entanto, mesmo com uma vida nova e fazendo novas amizades, Kaname não se desfez de seu remorso e manteve seu desejo de vingança contra a Soul Society. Consequentemente, tais sentimentos foram progressivamente o consumindo até que seu senso de justiça corrompesse e o seu regresso terminaria com o seu fim.

Note que apesar do próprio Aizen ter assassinado toda a Central 46, a vingança de Tousen não se deu por finalizada haja vista em momento algum ter sinalizado parar, pelo contrário, se tornou ainda mais subordinado de Aizen, praticamente aceitando-o como o próximo deus.

No capítulo 146, Tousen expõe para o Kenpachi que não perdoa o Zaraki ter assassinado o capitão anterior para conseguir o seu posto, visto que Tousen é um homem que evita derramamento desnecessário de sangue. Todavia, no arco seguinte, quando Grimmjow secretamente invadiu o mundo humano e depois retornou para Las Noches, Kaname não hesitou em cortar o braço do arrancar.

Em verdade, Tousen até requer ao Sousuke autorização para matar Grimmjow antes de cortar seu braço e ainda chega a dizer que “a justiça sem uma grande causa gera nada além de matança, mas a mesma matança em nome de uma grande causa é a justiça.”

Repare como seu princípio “caminho com menos derramamento de sangue” foi alterado para algo que justifica qualquer tipo de matança, desde que em nome de uma “boa causa”, algo que Lenin diria durante a Revolução Russa. Suas ações e justificativas contradizem com o lema que adotou no começo de sua jornada.

Tousen não gosta de Grimmjow porque ele tem uma personalidade semelhante do Zaraki, porém não percebeu que ele se tornara alguém também mais violento, impulsivo e cada vez mais distante do senso de justiça que ele tinha no começo.

Quando Tousen e Komamura finalmente vão lutar entre si, note que ele somente utiliza seus poderes hollow, em momento algum ele faz uso de sua Shinkai ou Bankai, indicando que ele completamente abandonou a pessoa que era antes. É mais interessante apontar isso sabendo que Gin Ichimaru, o outro braço direito de Aizen, em momento algum da história passou por um processo de “hollowficação” e somente usou seus poderes shinigami, indicando que desde o início planejou parar Aizen.

Tite Kubo por algumas vezes fez o uso da ironia para contar sua história e aqui está um exemplo, quando Tousen liberou sua espada e passou por uma Resurrección (igual a um hollow), pela primeira vez de sua vida ele começou a enxergar e logo resolveu dizer ao Sanji que ele era feio, embora o próprio Kaname tenha adquirido uma aparência de mosca horrenda que lembra um pouco o filme A Mosca, de David Cronenberg.

Embora esteja enxergando, Tousen nunca esteve tão cego em sua vida e esta é a grande ironia de sua história, porque nos momentos finais de Kaname, em suas memórias, ele não pode reconhecer a mulher que inicialmente mudou sua vida.

Apesar do Kaname nunca ter visto o rosto da mulher que ele considerou especial, sabia reconhecê-la de outras formas, porém Tousen se corrompeu e se desviou tanto da pessoa a qual era antes que sequer consegue reconhecer em suas memórias a mulher que o influenciou. Basicamente, Tousen não consegue mais lembrar do homem que foi e do que ele defendia.

É neste momento que acontece o motivo do presente texto. Antes de Tousen morrer, Komamura demonstra empatia e compaixão ao antigo amigo e diz o seguinte:

Essa cena trata-se de um presságio do futuro de Sanji no último arco como já comentei brevemente em um texto anterior. Embora Sanji tenha visto de perto a queda de seu amigo de longa data, acaba por compartilhar um destino semelhante dado que, também por vingança, encontra o seu fim.

Sanji Komamura é um lobo antropomorfo que, envergonhado por viver nas sombras, deixou de morar com sua família e, graças ao Genryuusai Shigekuni Yamamoto, decidiu virar shinigami. Assim como Tousen, Komamura é um dos capitães mais pacíficos, porém possui uma aura fria e sabe agir com crueldade no momento oportuno.

Em suma, ele é o típico samurai (óbvio, todos os shinigamis são), mas Sanji é inseguro com a sua aparência canina, chegando a usar armadura para esconder seu rosto, então Komamura não apenas age como um samurai, mas também quer transparecer a todos que é um samurai.

Essa última parte é suposição minha, porém lembre-se que em Bleach, as zanpakutous são reflexos da alma e poder de cada shinigami, há diversos exemplos na obra de zanpakutous que são reflexos da personalidade do shinigami que a empunha. Komamura não é um caso diferente, a sua bankai consiste em um samurai gigante e imponente, com uma armadura completa, sua bankai é a manifestação de como Sanji quer que os outros o vêem.

No arco da Guerra Sangrenta dos Mil Anos, Yamamoto é assassinado por Yhwach e Sanji tem sua bankai roubada pela quincy Bambietta Basterbine, isso causou uma enorme dor ao Komamura visto que não apenas perdeu o seu principal poder, o qual se trata de uma manifestação de sua alma, mas também perder a pessoa quem ele considerava especial e tinha uma grande dívida, visto que foi Yamamoto que o acolheu quando Sanji decidiu sair das sombras..

Por ter se afastado de sua família, pode se afirmar que Sanji Komamura considerava Genryuusai Yamamoto uma figura paterna (assim como outros capitães da Gotei 13, como Shunsui Kyoraku por exemplo), foi o antigo capitão comandante que convenceu Sanji a se tornar shinigami a vê-lo além de sua aparência física.

É interessante notar que ter a sua bankai roubada marca o estopim da queda de Komamura como um shinigami, Bambietta não apenas roubou seu principal poder, ela tirou dele seu maior símbolo e representação como shinigami e capitão do Gotei 13. Como o próprio Byakuya Kuchiki disse no arco da Soul Society, todo shinigami que possui uma bankai desempenha um papel importante na Soul Society.

Logo, a bankai é algo que faz Sanji ser respeitado e temido, independente de sua aparência. Bambietta tirou de Komamura muito mais que seus poderes, ela roubou parte de sua alma, de sua imagem e de seu orgulho.

Nessa sequência, Komamura fica tomado pelo sentimento de vingança e começa a trilhar o mesmo caminho de seu antigo amigo, para isso ele retorna a sua família, notadamente seu bisavô, e arranca seu próprio coração (como anteriormente citado) a fim de ficar mais poderoso.

Consequentemente, assim como Kaname Tousen, o Sanji também passa por uma mudança drástica em sua aparência, ao passo que Kaname adquiriu uma forma hollow, Sanji arranca seu próprio coração para obter uma metamorfose humana. Nos dois casos, essa enorme alteração da aparência física é uma representação do quão esses dois personagens se afastaram dos seus princípios e de seus antigos comportamentos.

Repare como ambos personagens possuem um buraco em seus peitos, o que visualmente simboliza os dois estão trilhando pelo mesmo caminho.

No segundo encontro entre Sanji e Bambietta, Komamura volta a utilizar a armadura como antigamente, porém desta vez ele usa para esconder a forma humana que ele adquiriu. Pode-se interpretar que ele se sente até envergonhado da pessoa que se tornou, mas tomou a decisão de chegar a este ponto para poder atingir seu objetivo de derrotar aquela que roubou sua bankai e concluir sua vingança.

A bankai do samurai de armadura completa e imponente deu lugar a uma versão mais demoníaca, com o rosto exposto e sem armadura. Visualmente, isso não apenas indica que Komamura está consumido pelo sentimento de vingança ao ponto de deixar de ser quem ele era, como também representa as suas emoções mais cruas. Sanji sempre conseguiu manter o controle de suas emoções, exceto neste momento quando resolveu lutar novamente contra Bambietta.

Embora a bankai do Kamamura seja considerada uma das mais fracas pelos fãs, este momento sedimentou que visualmente, sua bankai é uma das mais legais. Um grande momento de destaque e justiça para o personagem.

Mais uma vez, a história se repete e a vingança de Sanji teve um preço a se pagar. Ao virar humano, Sanji torna-se imortal momentaneamente, porém por ter arrancado seu coração, sabe que já é considerado uma pessoa morta. O capitão basicamente apostou sua vida na chance de derrotar a quincy.

Todavia, após derrotar Bambietta, em razão de estar consumido por vingança e ter apostado seu coração, Sanji transforma-se em lobo e neste momento ele relembra do Tousen e de que ambos tiveram o mesmo destino. Para Komamura, um shinigami orgulhoso, virar em um lobo é basicamente a morte da pessoa que ele era antes e agora transformou-se em algo muito mais próximo aos membros de sua família que vivem nas sombras, algo que ele fez questão de fugir por maior parte do tempo de sua vida.

Ademais, nos dois casos, as duas vinganças não tiveram conclusões satisfatórias para os dois personagens, a justiça almejada por Kaname jamais chegou e mais derramamento de sangue ocorreu, enquanto que no lado do Sanji, Bambietta é revivida por Giselle (tornando-se um zumbi, perdendo qualquer tipo de livre arbítrio) e Komamura sequer teve a chance de chegar ao palácio onde Yhwach se encontrava.

Em Bleach, há várias discussões no sentido de que a obra explorou mal diversos personagens (até porque o mangá possui muitos), mas no caso de Kaname Tousen e Sanji Komamura entendo que Tite Kubo deu tempo de tela suficiente para os dois e, de maneira simples e até curta, explorou o sentimento de vingança e como a sua obsessão pode levar à ruína.

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